8 de maio de 2011

O jovem Dorge

Dorge ao lado dos irmãos Pedrinho, João de Deus e Netinha (em pé); Francisquinha, Aluísio, Adonias e Quirino (sentados). No detalhe, Alonso (in memoriam)

Homenagem dos familiares de Dorgival Quirino de Moura pela passagem do seu aniversário de 80 anos em 09/05/2011

Por Cristina Moura

Ele não se deixa vencer totalmente, mesmo diante dos obstáculos que a vida impõe. Para tudo tem sempre um ar de graça. Para tudo tem sempre uma piada. Na ponta da língua. Na ponta da memória. Dorgival Quirino de Moura, 80 anos de vida. Na verdade, oitenta anos de esperança na vida. O gracejo que ele faz dos maiores problemas, sejam internacionais, nacionais, regionais, estaduais, locais ou até íntimos é realmente uma porta para a esperança.

Se a cada riso despertado nos outros Dorgival conseguisse apenas um real, estaria extremamente rico. Poderia se considerar um milionário. É difícil não rir ao lado de Dorgival. Mas, quem é mesmo esse tal de Dorgival? Que nome mais sisudo para uma pessoa tão flexível... Ora, é Dorge. Seu Dorge. Tio Dorge. Dorge Quirino.

Quem será que em Cajazeiras e nas redondezas guarda uma só raivinha de Dorge? Um tico de mágoa, um aperreio, uma nódoa de desavença, uma antipatia. Talvez até exista, mas deve ser uma pessoa que tenha até vergonha de se mostrar. Se, por acaso, chegar ao Alto Belo Horizonte, no Alto Cabelão, tecnicamente na Avenida Francisco Matias Rolim, vai encontrar fiéis seguidores das piadas de Dorge. Gente que o aplaude, mesmo com seus defeitos, mancadas, vacilações.

De tão querido, ele consegue o perdão fácil, de qualquer um. Se quisesse ganhar dinheiro com essa qualidade, teria uma frota de Mercedes Benz. Aliás, falando em frota, é um assunto que Dorge entende bem. Foi o primeiro motorista da caravana da Wills Overland do Brasil, em Cajazeiras, fazendo a primeira viagem Cajazeiras-São Paulo. A companhia se tornaria a Ford, atualmente de propriedade de José Cavalcante da Silva, o primeiro patrão de Dorge.

Em Lima Campos, Ceará, Dorge foi funcionário do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS). Foi na cidade de Icó, também em solo cearense, que trabalhou como frentista. Por lá, entre um forró e outro, entre uma procissão e outra, sua vida tomaria outro rumo. O rapaz achou de se encantar com uma icoense, Aurineide Pinheiro. Foi com ela que namorou durante 13 anos. Isso mesmo: 13 anos! Depois, então, os dois resolveram se casar. Do casamento com Aurineide, nasceu o único herdeiro, Dorgival Quirino de Moura Júnior, o conhecido Júnior. Júnior, pois Dorge já tinha em casa. Do casamento de Júnior com Magna, lá veio outro: Dorgival Quirino de Moura Neto, o Netinho ou Dorgival Neto.

O vovô Dorge ficou ainda mais engraçado. O filho mais velho de José Pedro da Costa e Maria Félix da Costa sempre foi admirado pela obediência aos pais e a amizade com os irmãos. Mesmo sendo nove irmãos tão diferentes uns dos outros não há um que diga sentir raiva ou querer distanciamento de Dorge. Pelo contrário. Todos bem que gostariam que ele estivesse mais perto. Na região do distrito de Melancias, na fazenda Boa Esperança, município de Santa Helena, primeiro núcleo familiar antes da migração para Cajazeiras, é fácil falar em Dorge, dizer quem é Dorge.

Mesmo sendo o mais velho, seu jeito de driblar as crises o faz mais juvenil do que muitos outros. Se um assunto virar febre na mídia, ele dá um jeito de se fazer envolvido também, comentar. Para rir das gírias do momento, então, Dorge é a pessoa mais indicada. Quando a palavra “massa” foi ganhando aspecto de gíria, ele, claro, não se conformava. “No meu tempo, massa era de pão, de bolo, de construir parede. Agora tudo que é bom é massa.” Depois, implicava com a palavra, repetindo: massa, massa, massa.

Outro trabalho de Dorge que, com certeza, rendeu um tanto de amigos e conhecidos, foi como motorista durante a construção da rodovia entre João Pessoa e Recife, a BR-101. Em Cajazeiras, conversas, cafezinhos, causos, bate-papos e lorotas certamente fizeram a alegria dos seus patrões. Imagine Dorge como chofer. Qualquer estrada ruim não cansa. Qualquer distância longa vira história. Zeca Dantas Macambira, José Neco, Emidio Peba e Zé Menino Macambira foram algumas das celebridades que utilizaram os serviços do jovem motorista.

Dorge foi motorista também da Prefeitura Municipal de Cajazeiras. Aposentou-se como motorista da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), atual Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Às vezes, durante as incontáveis viagens que fez de Cajazeiras para a sede da universidade, na capital, brincava do próprio exercício de ser motorista. Passou anos consecutivos encarando o percurso da BR-230 em veículos do tipo Kombi. Aos tripulantes, questionava: “Sabia que Kombi é o carro mais fácil que tem de virar?”

Um dos pontos fracos de Dorge é o paladar. É intransigente para dietas, assim como a maioria dos irmãos, sobrinhos, primos, parentes, aderentes e agregados. São assim os legítimos representantes da família Costa, Moura, Félix, Quirino, Rolim e ramificações. Esse povo é comedor, bebedor, roedor de osso, apreciador de gordura, pimenta, açúcar, sal e dos mais variados sabores em excesso. Os médicos ponderam, mas eles insistem em uma derrapada e outra. Os exames acusam, mas na semana seguinte eles brincam de desafiar o tempo. Deus avisa, mas eles rezam.

Comer de forma muito polida, simplória ou cheia de etiquetas, nem pensar. O que vale é encher o prato, repetir, empanturrar-se de guloseimas. É importante dizer que a receita deliciosa deve ser provada de novo. Há um incrível festival sonoro depois. Dorge está mais quieto nos seus oitenta anos, mas continua sendo um exemplo de fã incondicional desse tipo de prática gastronômica.

Se este texto estiver sendo lido em voz alta, Dorge será um candidato às lágrimas. Do jeito que ri, chora. Do jeito que chora, ri. Tão simples para chorar, tão simples para rir. Pura emoção, o jovem Dorge. Parabéns!

Nenhum comentário:

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...