2 de abril de 2011

A cultura e o leite

Saulo Péricles Brocos Pires Ferreira

Recentemente me encontro na rua, com uma amiga querida, Andréia Coutinho, que acabou de assumir o Procon e ela juntamente com a coordenação regional conseguiram adentrar a grande mídia pelo fechamento da agência do BB local depois que um idoso morreu na fila de espera, notoriedade dispensável, mas ao cumprimentá-la, ela com o vigor característico de vassoura nova, me veio a dizer com certo ar de lamentação que fora incumbida de resolver o caso do leite e do queijo à venda na cidade. Ao que respondi estimulando-a: Que coisa boa Andréia, finalmente se vai tomar providências para a cidade sair do atraso secular e se vender leite para gente: Boa sorte.

Mas o que aconteceu, se visto por uma pessoa normal, é estarrecedor: O povo, a imprensa (que seria o quarto poder, mas aqui se situa entre o segundo e o primeiro) fez coro contra essas medidas de ajustamento, e esse clamor tornou-se inclusive pronunciamento na nossa Assembléia onde nossos deputados-médicos defenderam a distribuição do leite bovino in natura, sob o argumento de da preservação de empregos.

Do ponto de vista da população e da imprensa, tal fato é de difícil escusa, em se tratando da Terra que se diz da Cultura, mas justificável pelo desconhecimento da causa, pois como muitos (todos nós) descendem de ruralistas, custam a acreditar que o sustento de seus pais pode fazer mal à saúde. Eu mesmo, até o funcionário do Leite Betânia me mostrar amostras de leite recusado, que era derramado, esposava da mesma ignorância; agora em se tratando de parlamentares médicos, com formação na área de saúde, essa atitude por omissão, ou pior por ação, descamba para os desvãos obscuros da demagogia e mesmo do delito.

Agora, como estamos na terra da cultura, vamos dar alguns esclarecimentos de modo erudito: O leite que é comercializado tanto como leite quanto como um derivado conhecido com queijo e outros, provem de um animal chamado vaca, ele é produzido para alimentar suas crias denominadas bezerros, deste produto o homem está apropriando há milênios. Por uma questão meramente evolutiva, as tetas das vacas (o local onde se guarda o leite produzido), se situam próximo de seus órgãos excretores, e o bezerro utiliza-o dessa forma, possivelmente para enjoar com aquela coisa nojenta e ir mais cedo se alimentar de capim que é mais saudável, infelizmente como o criador da Teoria da Evolução, Charles Darwin já morreu e não esclareceu este detalhe, não temos certeza. O certo mesmo é que o leite é produzido para o bezerro, não para nós humanos. Mesmo limpa a vaca está sujeita a infecções, por isso, ela dispõe de quatro tetas, possivelmente para reserva, já que não se tem notícia de bezerros quadrigêmeos, pois se infeccionar uma esta pode se perder, que ainda sobram três.

Por essas e outras, isso um renomado cientista francês chamado Louis Pasteur elaborou há mais de 150 anos um processo bastante simples que retira do leite bovino os agentes que causam doenças, e em sua homenagem se chama de pasteurização; o produto resultante é um leite que pode ser consumido pelo homem sem risco à saúde, perdendo aquelas nojeiras que alguns apreciadores gostam. Tanto que se tornou padrão internacional há mais de um século.

É a implantação de padrões internacionais seculares que mandaram a pobre Andréia Coutinho tentar implantar em Cajazeiras, e que contra ela se levantou a nossa sociedade. Os argumentos são que se vão perder empregos se estes procedimentos forem adotados. Mas se pegarem o melhor leite in natura produzido aqui e se tentar vender não na França, mas a uma prefeiturazinha, vão exigir que este seja pasteurizado; é conduta básica até nos estados do Nordeste. Vamos ao caso do mais afamado queijo daqui, o da Fazenda Vaca Morta, que nada tenho contra seus moradores, nasci e me criei com eles, mas se andarem menos de um quilômetro, se chega à Fazenda Veneza, de Rubião Cartaxo e Socorro Lima, que produzem os produtos de leite pasteurizados marca “Sabor da Terra”, que já receberam vários prêmios regionais, e são expostos em prateleiras de destaque nos supermercados das grandes cidades. Mas aqui a excelência é exceção, e a excrescência a regra para que não se percam os empregos da Zona Rural.

Podíamos fazer uma viagem, não à Europa, mas a Sousa, encravada no mesmo sertão onde estamos, em que existem muitas empresas de processamento de leite, e perguntar se eles perderam seus empregos; na realidade eles ganharam, pois se formou toda uma cultura em torno do beneficiamento de laticínios, gerando uma enorme bacia leiteira, que é mais de dez vezes a nossa, que e por causa de nossa falta de informações, compramos seu leite. Lá, a excelência é a regra, e excrescência, se é que existe, fica como exceção, e as crianças que sobreviveram ao leite de má qualidade vendido nas nossas ruas, já compram sorvetes de muito boa qualidade produzidos com o leite pasteurizado de nossa cidade co-irmã. Podemos ser a Terra da Cultura, mas se tecnologia for considerada cultura, pode-se levantar dúvidas...

Se fosse para fazer o que é certo, se elaboraria um termo de ajustamento com um prazo o mínimo possível, se obrigaria os produtores de leite a adotarem a secular pasteurização, e em pouco tempo se veria os índices de internamento por infecção sofrerem uma queda significativa, como já se fez em Sousa, e não se protegerem em nome de não sei o que, condutas que de tão equivocadas, poderiam ser consideradas criminosas. Um médico defender o leite sem tratamento; soa tão estranho como um advogado defender a devolução da droga apreendida ao traficante, para que ele continue seu trabalho.

Mas não baixe a cabeça, Andréia, você esta fazendo o bom combate. Agora fica a pergunta que não quer calar: Terra da Cultura, será que você ainda sabe ler?

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