10 de abril de 2011

O sermão da fortuna

Por Geraldo Bernardo

- Tornei-me, o salvador, o defensor dos ancestrais amaldiçoados de Noé. Mas, não posso livrar ninguém das chamas do pecado, sem que venham até mim. Direi como virás. Sei que tens em teu bolso, uma nota qualquer, pode ser dois reais, cem reais, uma moeda, não importa. Se esta cédula foi maculada, então estás a carregar contigo satanás! Lúcifer reveste-se de muitas maneiras para ludibriar-te irmão! Oh! Glória!

Mas, não te apoquentes. Estou aqui irmão, vim para salvar-te desta aflição. Devolverei tua alma a quem deveras pertence o Salvador! Aleluia! Não serás molestado por satã, não terás que rastejar sobre brasas, jamais sentirás o gosto das cinzas podres do inferno. Pois é para lá que tua alma irá se permaneceres a pecar com esta cédula em teu bolso. Lembra-te! Até mesmo uma moeda, se estiver maculada, se comprares um pirulito com ela estarás pecando. Ao lamber o pirulito comprado, estarás cometendo pecado maior que a lascívia.

Aquele que falou comigo no momento de minha Iluminação Disse-me assim: “vai, purifica os pobres, livra-os do pecado da mácula”. Oh! Glória! Naquele momento, um círculo de luz surgiu ante minha visão de pecador e minha ignorância pagã perguntou, sem que eu precisasse dizer palavra. Irmãos, somente com a força do pensamento eu falei: “como posso livrar meu irmãos da mácula?” E aquela Luz bradou com força dentro de minha cabeça: “ente de pouca fé, Eu te purificarei, terás o poder de livrar do mundo inferior todos aqueles que possuem uma nota qualquer que seja maculada”. Então a luz inundou-me corpo, adentrando pelas entradas mais secretas, irmãos! Misericórdia! Mil vezes misericórdia irmãos!

Enquanto eu falava empolgado, o suor escorria-me por todo o corpo, fruto de uma ressaca braba de uísque barato e lança-perfume. Do meu lado direito Zé Pezão, à esquerda O Cigano, seus paletós cinza ajudavam a disfarçar o volume das armas em suas cinturas – afinal esta profissão é um risco – no meio da platéia Purezinha. Conforme combinado, naquele momento da pregação, quando eu pegasse o lenço para enxugar a testa, ela correria até mim e se prostraria de joelhos, assim foi feito.

Mirando-me as pupilas dilatadas, perguntou-me angelicalmente e cheia de compunção:

- Mestre! Como saberei que uma nota está maculada?

Confesso que me veio um riso frouxo, daqueles difíceis de segurar. Mas, após tantos ensaios aprendi a disfarçá-lo impostando a voz:

- Vejo que já foste impura mulher! Todavia, Aquele que me enviou, deu-me o poder de transformar-te numa alma sã. Primeiro rdirei a ti e a todos os presentes. Qualquer cédula que tiver ao menos uma palavra escrita uma palavra com a mão humana, este dinheiro está maculado. Um manuscrito qualquer, um número de telefone, uma declaração de amor, uma corrente – vejam bem, as correntes são as piores. Quaisquer bens, jóias, até mesmo comida, comprada com dinheiro impuro, estará eivado, contaminado pelo mal. Dá-me esta nota que possui em tuas vestes que te livrarei da presença do demônio em teu corpo. Louvado seja!

Purezinha tem um talento para interpretar, confesso, melhor que eu, uma puta atriz em todos os sentidos. Timidamente foi abrindo sua bolsa de couro que usava a tiracolo, cujas alças repartiam seus belos seios miúdos, toda trêmula, entregou-me uma nota de cinqüenta reais, onde havíamos escrito: “Deus é amor”. Depois ficou a olhar-me, de mãos postas, enquanto eu examinava a cédula contra o sol. Era o momento de minha cena. Saiu-me um grito bem mais forte que planejado:

- Lúcifer! Vejo-te desdenhando desta pobre mulher. Saia de minha presença anjo das trevas. Esconjuro-te!

Pus a nota no bolso e mão na cabeça de Purezinha que começou a estrebuchar, enquanto eu pregava mais forte, disfarçadamente pôs na boca uma drágea de vitamina C efervescente, então começar a babar e a aumentar os espasmos. Eu vociferava.

- Vejam! Mirem-se no exemplo! É Lúcifer que está indo embora. Vai-te imundo. Xô! Bosta de galinha choca! Some para as profundezas, de onde nunca devia ter saído cramunhão! Adeus meio-quilo!

Purezinha foi se recompondo até que, por fim, levantou-se como se nada tivesse acontecido, com aquela expressão de “onde estou?”. O Cigano a conduziu até mim – eu gritava feito louco – Xô! Xô! Xô! – chutava o ar, esmurrava a esmo, quase peidei. Zé Pezão trouxe-me um cálice com água, pus contra luz fechei os olhos e ficamos mudos por quase um minuto. Em seguida mirei Purezinha e perguntei-lhe:

- Como se sente minha filha? Ela falou-me tão mansamente, com tanta leveza, serena:

- O senhor salvou-me, agora vejo luz onde existiam trevas.

Abraçamo-nos e choramos (parecia verdade) enquanto os presentes se desfaziam de suas supostas imundícies que eram recolhidas pelos meus assistentes, claro que eram eles – Zé Pezão e O Cigano. Entre assobios, palmas, choros, todos iam se redimindo de suas máculas.

Estava resolvido o nosso problema financeiro.

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