22 de abril de 2012

Coleção de inusitados

Geraldo Bernardo

Subo a escada rolante, elegantemente travestido de professor de História – “estiloso!” Diria uma querida aluna. Perdido nas paisagens europeias do Midway. De repente, ele acontece, o inusitado. Aquilo que só você vê ou... não tem com quem comentar.

Duas senhoras. Uma entra pelo acesso da Salgado Filho, a outra pela Bernardino Vieira, detalhe: vestem blusas iguais. Iam se encotrar bem embaixo da escada rolante. Eu disse iam, pois, quando se percebem, se miram, olham ao derredor, olham para si mesmas e, quase simultaneamente, deram uma “rabissacada e saíram que o rabo era um veio”.

Lá em cima desço um, dois, três degraus, para melhor ver a cena. Rio só. Sem escancarar-me como mereceu o momento.

Não sei como, o inusitado me persegue. Outro dia, no trabalho, ia entrando numa repartição de caneta e bloco em punho, naquele instante exato, a recepcionista abriu sua bolsa de canetas e espalhou sob o balcão. Tinha tanta caneta! Umas trinta: pretas, verdes, vermelhas, muitas azuis, tanta caneta! Imediatamente, sem pensar, involuntariamente. Retrai-me o braço num impulso e escondi atrás de mim minha caneta.

A moça olhou-me espantada, depois caiu na risada. Espantado estava e gargalhei ruidosamente, gargalhamos juntos até chorar. Pedi desculpas e rimos até cansar. Resolvi o que tinha de resolver e saí meio encabulado, “morrendo de se abrir”, como dia Miguel Brito.


Tenho bom convívio com o surreal. Meu amigo Tonho, quase oitenta anos, “cabeça bem branquinha”, me chama de Camonge, quando é tempo de “lua” ele ajoelha-se no chão nu do meio dia, nas ruas do Sorrilandia, e, reza. Seu jeito é civilizado, às vezes mija no meio da rua, mas ninguém se importa mesmo. Disse-me que possui dois discos voadores, que veio lá do céu porque ficou com vergonha de ver Nossa Senhora nua, depois fala:

- Camonge tá mago!

Esta sina vem de longe. Nos idos de oitenta e seis, campanha eleitoral, eu, menino novo e besta, fiscal de apuração de votos, fiscal radical do PT. Acho que era eleição municipal. A ditadura ainda estava deixando o cenário. Exército nas ruas. Sousa Ideal Clube, centro das apurações, votos em cédulas, três dias de apuração, tudo manual, somado na calculadora, preenchendo mapas manuais, calor, suor, lanche frio, um caos. Tudo parava nas instituições. Naquele estresse todo, o descascador de juremas, Romeu Abrantes, envolvido numa disputa por intenção de voto (era um troço), sapecou a mão nas fuças de um sujeito que eu conheço, mas não digo, que o sujeito despencou no salão de mosaico.

Não mais que de repente, ouviu-se o matraquear de fuzis, metralhadoras, sei lá o quê. O sargentão não sei das quantas entrou apressado, pistola em punho, bem no meio do salão, ali onde ficava o globo, deu um disparo furando o teto de gesso. Aí foi um fuzuê! Todo mundo se escondendo debaixo das mesas, voto que era voto voou lá embaixo na piscina, os soldados cercaram tudo, o mundo ficou verde oliva, o sargento bruto deu uma lição de moral e o resto “ficou tudo murcho, sem arregalar um pio”, diria vozinha.

Acho que é porque sou matuto que estas coisas acontecem. Mas, fico feliz quando ouço o inusitado dos outros. O Mestre, amigo das antigas, ciceroneava um candidato, fazendo panfletagem, quando, ao entrar numa boutique, o candidato estica a mão cumprimentando o manequim. Num riso coletivo contido todos se entreolham, meu amigo, para não perder a situação, tomou a mão do candidato e saiu com candidato dizendo:

- Dr. Esse povo aí é da oposição.



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