15 de abril de 2012

Pescaria

Geraldo Bernardo

Não vejo muito sentido em comer peixe durante a semana santa, apenas. Cresci comendo bastante peixe, era a mistura mais favorável que a gente tinha, antes de matarem o Rio Piranhas. Cansei de fazer um pirão de traíra, temperado com nata fresca, cheiro verde, tomate, sal e pimenta a gosto. Eita!

Traíra magra, cá em nós, é “suvela”. Quando a seca tá chegando, o “açudinho” tá secando, a traíra vai emagrecendo, tomando aparência jurássica de presas protuberantes. A cabeça não diminui, continua tudo lá, os ossos do mesmo tamanho. Aquela cabeçona num corpo raquítico. Foi por causa desta aparência que meu pai botou o nome da cachorra de caça que ele tinha, de “suvela”.

Taí! Uma boa dica que deixo aqui para a Polícia Federal, batizar uma operação – destas que a gente vê na tevê – com o nome de “suvela”. Na certeza seria um nome “arretado” pra dizer frentes as câmeras.

Na fala do agente:

- Positivo! Nosso trabalho investigativo elucidou mais esquema fraudulento. Fizemos algumas apreensões e encaminhamos para a justiça que é nosso papel.

Uma jovem repórter – o close apaixonado do câmera mostra sua marca de “piercing” no nariz – pergunta:

- A gente quer saber o significado do nome desta operação.
Responde o agente:

- Positivo! É que tem muito traíra inteligente, entendeu?

A repórter vinda da capital, nascida em apartamento, cresceu entre jogos eletrônicos e internet, de peixe só ouviu falar em salmão, atônita:

- Como assim?

- Então? Positivo! Traíra é gíria pra definir delator, entendeu moça? É só o que tem por aí, o esquema todo só caiu por causa da “traíragem” de uns com os outros, tá compreendendo?

O câmera vê a expressão da foca, ele mais descolado aproveita pra encher de close a tela, o microfone vai ao encontro quase pornográfico dos lábios da jovem, depois o bigode ralo e grisalho pintado do policial.

- Pois é! Positivo! A gente sabe, quem dedura é chamado de traíra e esse povo aí é tudo metido a inteligente, cabeçuda, tá me compreendendo? Porque traíra é um bicho que come os outros e esses que foram presos viviam se comendo, se traindo até que acabaram caindo na rede da polícia, entendeu?

De repente a imagem fica turva. Cenas rápidas da calçada. Ouve-se a voz ofegante da foca de loiras madeixas – a maquiagem já deve ter borrado toda:

- Estamos ao vivo... aqui... tá acabando de chegar mais polícia.

As imagens se multiplicam: o colete do policial enche a tela, as luzes do giroflex – quase um tombo do soldado gordo ao descer da viatura – ouve-se sirenes, o respirar cada vez mais ofegante da jornalista muda. Meio que estabilizada, a imagem mostra outro soldado – um bombadão – abrindo o camburão, dele sai um sujeito com o paletó cobrindo as algemas, desce calmo – o câmera o acompanha – aproveitando-se da ocasião, o preso, começa a esbravejar:

- Traíras! Eu estou pronto para colaborar com a justiça, principalmente contra os traíras que me denunciaram. (olhando para a câmera) Um bando de traíras. (apontando pro câmera) Vou entregar cada um de vocês, seus traíras.

O bombadão bruto encosta e sai rebocando o gravata torta. Imagem: PM gordo baixando a tampa do camburão, corta!

A repórter, descabelada, suada, o que era delineador virou mancha, pra completar o saltou quebrou, ela tenta equilibrar-se – abre-se imagem – no exato momento em que a coitada desmorona e quase cai. Saiu catando cavaco – outra expressão de cá de nós – o câmera e os assistentes riem.

Esbarrando enquadrada e cuspindo os bofes, diz a aprendiz:

- Pô! Gente! Traíragem.

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