Geraldo Bernardo
Chegou abril, céu aberto, não há sinal de muita chuva não! Sertanejo vê o milho ficar murcho e começa a bater um “Deus me livre”, tomara que chova logo. Nos tempos em que fui menino, por muito menos, já haviam roubado num sei quantos São José, deixando nuas as paredes de taipa até que a primeira chuva viesse e com a ela procissão e novena de devolução do santo furtado.
“Meu céu é pleno de paz/sem chaminés ou fumaça/no peito enganos mil/na Terra é pleno abril”, diz Ednardo pra ser “a mão que aperreia”, que escreve, reivindica, mão taurina, destemida. Isto lembra, por tabela, a mão que impôs o golpe de meia quatro, que começou num abril. A mesma mão que impôs um fechar de bocas, dizendo: “Cálice”! E cobriu com “manchas torturadas” os sonhos de uma geração. Tal qual a tristeza do assum preto que “cego dos óio” não vê “o céu de abril e a mata em frô”.
Abril tem esta tragédia anunciada. Tragédia poética, grega, que lembra o homem bestial em conflito com sua racionalidade e sensibilidade. Abril taurinamente forte, gentil, devorador e sonhador, abril.
Mês de bicho de chifre. Do Minotauro, do boi, da “Velha Carcaça...”, poema de Robson Marques, que “vives achando graça na mais triste solidão”. Símbolo do sertão, alma gêmea do vaqueiro, um mito não sobrevive sem o outro. O boi parece saber a vida inteira sobre seu fim, por longas noites rumina e chora. Mire o seu olhar de olheiras. Come piedosamente a ração que lhe cabe, pois sofre da mesma sina. Sina de abril.
Mas, abril não é só de macho. É Vênus, é espuma do mar, é abrir-se para o novo, germinar, feito mulher. Amor nascido em abril é para sempre, dizem os antigos. É paixão e volúpia, destas que embriaga mais que pinga do brejo. Afrodite se quiser.
A Megera de Queluz é taurina. Teve amantes, fez conspirações, assassinou, torturou e enlouqueceu de vez. Imperatriz do Brasil, que beleza. É a força de abril trazida pelas naus lusitanas de onde jamais sairão. Posto que criaram profundas raízes. No coro da procissão, na tragédia santa, no pecado da carne, na gula desmedida, no aboio lúgubre e no épico do sertão, é abril.
Desmedido, barroco, feito letra de blues, doído e desatinado.
Abril, céu de anil!
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