Cajazeiras tem raros escritores. Poetas, uns tantos, e, mesmo assim, poucos. Que dizer de ficcionistas, um grupo cada vez mais escasso no panteão das letras locais? Tirante a obra romanesca de um Ivan Bichara, há décadas não aparece um prosador que dê à cidade destaque como outrora fez o autor de Carcará. E nem serve citar o escritor Gildemar Pontes, que este é de Cajazeiras adotado. Sua alma pertence inteira à cidade de Fortaleza.
De verdade, se cajazeirenses existem fazendo prosa literária, estamos para lê-los. Quer comprová-lo, percorra as prateleiras da biblioteca pública local. Há de se achar historiadores, memorialistas, muitos poetas. Ficcionistas, nem tanto. Cristiano Cartaxo faz poesia tradicional, das mais belas já surgidas na Paraíba. O escritor Zé do Norte é exemplo de contador de causo e memorialista, fazedor de prosa-brincadeira, centrada no humor sertanejo bem típico da conversa-fiada. Deusdedit Leitão é incomparável na pesquisa histórica. Faltam-nos, enfim, mais livros de ficção.
É com alegria, pois, que Cajazeiras recebe, para se somar à ainda pequena lista de ficcionistas locais, a estreante Amanda Karla de Souza, que nesta sexta (23) lança seu livro Cogumelos nascem no telhado. A autora foi premiada ano passado no concurso Correio das Artes 60 Anos, do conhecido suplemento cultural do jornal A União. A obra será lançada durante a entrega do prêmio, que acontecerá às 17h na Fundação Casa José Américo, em João Pessoa.
O concurso Correio das Artes foi realizado pelo Governo do Estado em 2009, mas o resultado com o nome dos contemplados só saiu em março do ano passado. Nesse ano, foram premiados os ganhadores da categoria Redação, restando entregar o prêmio, que incluía a publicação de um livro de cada autor premiado, das categorias Conto e Poesia. É o que será feito nesta noite, incluindo entre os grandes vencedores a cajazeirense de 26 anos, bacharela em Direito, e que atualmente reside na capital.
A obra Quem se acostumou a ver Cajazeiras representada nos romances de Ivan Bichara, terá uma surpresa ao ler Amanda Karla. A escritora em nada herda da cartilha do nosso maior expoente no campo da ficção. Cogumelos nascem no telhado é um livro de textos curtos, com temática amplamente variada e diferente da ficção do romancista cajazeirense, propositalmente representativa das características do sertanejo local.
Em Amanda K., a prosa não é demorada como nos romances de Bichara. Nos Cogumelos a escritora se vale de um recurso simples e bastante atual à escrita contemporânea. Escreve curto e sem rodeios, o que, sem desejar rotulá-la, a insere na geração de escritores surgida com o advento de ferramentas virtuais como o blog.
Aliás, segundo a própria autora (leia entrevista abaixo), parte da obra resulta da sua experiência na Internet, onde há oito anos mantém o blog Verdura, no qual por muito tempo publicava seu registro íntimo, e, entre variadas anotações pessoais, textos que, como explicou, “pareciam ficções”, mas “não passavam de uma realidade mascarada pelas palavras”.
Os pequenos textos do livro são instantâneos de uma realidade que está para o que a autora chama de “materialização” de certa “loucura inconsciente”. Por isso mesmo, não é fácil classificá-lo, embora formalmente seus textos estejam no limite entre o poético do conto-poema e o prosaico do diário pessoal.
Mas surge o Cogumelos como livro de contos, pois assim foi avaliado pela comissão do concurso. Para a autora, classificá-lo é o de menos. “No fundo, o livro é e será sempre uma recordação comparada a um antigo álbum de fotografia”. Para além do entendimento de terceiros, é sempre o autor quem mais conhece a própria obra.
ENTREVISTA
Depois de muito escrever no blog Verdura, Amanda Karla ampliou a experiência da escrita virtual, já tendo publicado em revistas, sites e suplementos literários, a exemplo da revista eletrônica Germina, Correio das Artes e Portal Literal. Também fez parte dos integrantes da Revista Bagatelas, no Rio de Janeiro, que reunia escritores de todo o Brasil.
Na entrevista a seguir, a primeira após a confirmação do recebimento do prêmio do jornal A União, a autora fala sobre o livro e o seu trabalho de escritora, comenta o prêmio e revela a dificuldade que é publicar um livro no Brasil.
Como definiria seu livro?
É a materialização da minha loucura inconsciente. São trechos que misturam sonhos, desejos e um pouco de realidade.
Por que Amanda K.?
É só a abreviação do meu nome Amanda Karla; gosto do K, mas não gosto do Karla, entendeu!?
Antes dessa estreia, você escrevia (e ainda escreve) na Internet. Qual a importância do blog para o aprendizado da escritora Amanda K.?
O blog serviu de estímulo. Quando comecei a publicar nesse espaço, isso há oito anos, o universo dos blogs ainda era novidade, havia mais interatividade, comparada a um Facebook de hoje. Então, me sentia instigada a escrever e a ver qual a opinião dos leitores.
No blog, quando começou a escrever literatura? Houve um momento em que resolveu fazer ficção ou simplesmente aconteceu?
Não sei exatamente quando comecei, aconteceu. No entanto, devo revelar que inicialmente muitos dos textos publicados no blog pareciam ficção, mas não passavam de uma realidade mascarada pelas palavras. Com o tempo, fui gostando desse exercício e foram surgindo trechos, que hoje quando leio ainda me pergunto, “de onde eu tirei isso?”
Todos os textos do Cogumelo foram escritos no blog?
Não. E mesmo os inicialmente postados no blog sofreram modificações para o livro.
Segundo me disse, o prêmio demorou muito a chegar. Em sua opinião, ainda há dificuldades para se publicar no Brasil?
Há dificuldades sim. Acho que pra publicar aqui no Brasil, só tendo sorte. Sorte de alguém te indicar pra alguma editora, sorte de ter dinheiro ou sorte de ganhar algum concurso literário. E, nesse último caso, se for promovido por algum órgão público, você ainda tem que ter a sorte de ter nascido com o dom da paciência (risos).
O que é mais difícil, ganhar um concurso literário ou achar uma editora que acredite em seu livro?
Complicado responder, porque é bem relativo. Mas, acho que achar uma editora é mais difícil, porque ela está mais interessada em saber se o livro vai ser rentável, e creio que ela não está a fim de dar um tiro no escuro! O mercado empresarial é cruel.
Você imaginava ganhar o concurso do Correio das Artes?
Eu sonhava em ganhar, queria muito publicar esse livro. Mas, até isso se tornar realidade, seriam outros quinhentos, porque o concurso, sendo nacional e tendo uma boa premiação, a concorrência era grande.
Para uma escritora iniciante, qual a responsabilidade após a publicar um livro através de um concurso cultural tão prestigiado?
Não sei se a palavra seria responsabilidade, mas talvez cobrança, pelo menos da minha parte. Fico naquela de saber se ainda vou conseguir escrever outro livro, se será bom, enfim. Mas isso só o tempo dirá.
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