29 de julho de 2012

A ditadura da legalidade


DERMIVAL MOREIRA DOS ANJOS

A Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados aprovou no último dia 29.06, emenda à LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias - que prevê autonomia orçamentária e financeira aos três Poderes e ao Ministério Público da União. Em seu artigo 70, esta Lei trata da limitação de gastos com pessoal. A emenda, de autoria dos Deputados João Dado (PDT SP), Aelton Freitas (PR MG) e José Humberto (PHS MG), altera justamente o artigo 70 da LDO, o que abre portas para a liberação de reajustes de salários sem autorização prévia do executivo, mesmo que não haja previsão orçamentária. O texto ainda derruba a previsão de veto presidencial para a concessão de reajuste para o Judiciário, Legislativo e Executivo. Isso significa que, após o Supremo encaminhar a proposta de aumento para seus ministros, se for aprovada pelo Congresso, o Executivo é obrigado a conceder. Numa semana esvaziada, meio que na surdina, uma comissão especial da Câmara também já havia aprovado, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), de autoria do Deputado João Dado, que acaba com o teto salarial no serviço público que hoje tem referência nos salários dos Ministros do STF. O texto segue para análise direta em plenário, onde precisa passar por duas votações. A mudança prevista mais impactante para as contas públicas é a possibilidade de servidores acumularem salários com aposentadorias e cargos comissionados. Atualmente, a cumulatividade é proibida. Ora, se a imensa maioria dos servidores públicos recebe até 5 salários mínimos (inclusive os professores do ensino médio), quem serão os beneficiados com o fim do teto salarial? Claro que serão aqueles menos preocupados com a austeridade fiscal - os mesmos que tem o poder de legislar e julgar em causa própria. Se com a existência de um teto previsto na Constituição, Deputados e Ministros do STF já dão um jeito de driblar a Lei, seja com folhas suplementares, separando as verbas nos holerites ou aumentando o valor de diárias e ajudas de custo, etc., imaginem com essa mudança!

Na república onde democracia significa tão somente legalidade, que se dane a moralidade. O ministro Cesar Peluso, ainda na presidência do STF, apressou-se em elaborar um projeto de lei para elevar os salários dos ministros para mais de R$ 32 mil, - que, se aprovado, será retroativo a Janeiro de 2012 - mas não moveu um dedo para encaminhar projeto que reformasse a lei da magistratura. Seria mais justa uma PEC, ou uma Lei, que estabelecesse um piso mínimo para o serviço público que, ao mesmo tempo, limitasse o teto a 30 vezes o valor deste piso. Esse mecanismo ao tempo que limitaria os abusos, também evitaria a defasagem do piso salarial, pois haveria um equilíbrio de interesses em toda a escala de níveis, cargos, e salários. Ainda preservaria o princípio da isonomia que preconiza salários equivalentes para cargos equivalentes dos servidores nos três Poderes da República.


A "ditadura da legalidade" tem o viés nefasto de legalizar absurdos que vicia pessoas e inverte valores. Tudo acima de qualquer suspeita. Um câncer para as contas públicas com efeito no médio e longo prazo. Onde está a crise na Europa neste momento? Nas nações anglo saxônicas e escandinavas, historicamente mais pragmáticas e austeras? Ou nos países mediterrâneos que se atolaram em dívidas por não fazerem o dever de casa e cuja cultura fisiologista herdamos? Proibir o veto presidencial às propostas de aumentos salariais para Deputados e Ministros do STF é o mesmo que colocar as raposas para tomarem conta do galinheiro. Ou alguém acha que os Congressistas deixariam de aprovar uma proposta de aumento para o Supremo sabendo que o novo valor lhes serviria de referência para aumentarem os seus próprios vencimentos em seguida? Como justificativa, costumam recorrer ao argumento de que tem havido aumento da arrecadação. Na verdade as contas públicas continuam negativas e o que é destinado para custeio tem sido historicamente bem maior, em números proporcionais, do que o que se reserva para os investimentos em infra-estrutura e saneamento, por exemplo.

As prerrogativas de independência dos Poderes não podem ser extensivas à administração do orçamento, principalmente no que diz respeito aos gastos com pessoal. A arrecadação da União tem caixa único e os depositários são todos os cidadãos que anseiam por melhores serviços. Parcela significativa do Orçamento Geral da União já é bastante comprometida com a manutenção de mordomias. Durante os trabalhos da Constituinte de 88, "confundia-se" prerrogativas com privilégios e a Carta Magna ia adequando-se às conveniências de grupos e Instituições em muitos dos seus dispositivos. Um exemplo recente de coprporativismo e tráfico de influência: no início deste mês, a Confederação dos Servidores Públicos do Brasil, (CSPB) entrou com uma liminar despachada pelo juiz Francisco Neves da 22ª Vara Federal de Brasília, proibindo a União de divulgar os salários dos servidores no portal da transparência das respectivas Instituições. Estaria a CSPB falando em nome de todos os servidores, ou mais preocupada em preservar o sigilo relativo aos salários milionários da elite do serviço público? Até quando os brasileiros serão lenientes com o destino que um grupo de aloprados dá ao dinheiro público? Parece-nos que até sempre, se considerarmos que o sonho de consumo de boa parte deles é galgar o poder pela via política ou serviço público, e se beneficiarem de manobras na qual almejam pegar carona um dia. Seriam estes os "imbecis felizes" de quem Milton Santos falava? Certamente.

DERMIVAL MOREIRA DOS ANJOS, BANCÁRIO E LICENCIADO EM GEOGRAFIA PELA UFPE. RESIDENTE EM CUIABÁ-MT

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