25 de novembro de 2012

Seca sem retirantes - II


GONZAGA RODRIGUES

Letalmente atingidos, somente os animais, o gado. Esta a grande mudança, o mais que se pôde conseguir dos homens públicos e de seus sistemas econômico e de governo, nesses três séculos de combate à seca.

E há dois tipos de gado: o gado das grandes criações, que pode ser retirado, removido em busca de pasto e a troco de negociação ou da disponibilidade cumulativa de terras menos castigadas, e o gado arrimo de família, o do pequeno criador, reduzido a pouquíssimas cabeças, sem recursos de bater em retirada.

Retirante, expressão dramática que povoa o romance social do Brasil, liderado pelos nordestinos, deixou de ser o bicho homem para ser o bicho gado, quando privilegiado pelas disponibilidades de recursos e de terra do fazendeiro.

No curso de toda uma existência, foi a única mudança social marcadamente humana que me é permitido assistir. Como já mencionei em escrito recente, o retirante-homem não apareceu, desta vez, prostrado sob as marquises da nossa cidade. A sede ele vem matar nas torneiras que as cidades vêm ganhando, governo a governo, com paciência secular, desde o primeiro abastecimento inaugurado na capital, em 1910. A energia, desde 1970, cobre as sedes urbanas do Estado inteiro. O trabalhador rural, confrontado com a vida que é vista ao vivo televisão, descobre que a água, a luz, o alimento , o ferro elétrico, o liquidificador, não são coisas somente de rico, de quem pode. Ele, munido do seu cartão, também pode. E pode até dividir, pagar em prestações, alcançar os eletrônicos e a geladeira.

E o mais extraordinário de tudo: pela primeira vez na história econômica e social do Brasil o homem mais rico, o fabricante de cimento ou de eletro-domésticos, está unha com carne com os antigos miseráveis. Quanto mais houver gente pra comprar, mais agrado acontece no duro coração capitalista. O homem do Pão de Açúcar e o neto de Totônio dos Codoros, figura empaludada das minhas antigas “Notas” estão na mesma lingada. Capital e trabalho bebendo e comendo do mesmo Bolsa-Família.

Alguma coisa mudou, caríssimo e lendário João Pedro. Sem reforma agrária, sem reforma de base, sem ao menos boa educação primária .

E quando extinguirem o Bolsa-família?...Aí será outra história. Canudos cresceu em força e vindita quando se viu ameaçado de perder o que tinha, o que ganhara em seu reduto comum.

GONZAGA RODRIGUES É COLUNISTA DO JORNAL DA PARAÍBA

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