Geraldo Bernardo
Já que é março, o tempo é invernia (chuva rala, mas, inverno) e o mês é das mulheres, vamos falar líquido e certo, feito água, esse elemento raro, vital ao planeta. Ajuda manter a calma, se ingerida com sacarose e, congelada, acompanha mais uma dose. Substância quem nem cheira nem fede, serve para matar a sede com a mais ampla democracia. Quando cai o tempo esfria, nas grutas cantam as jias de verde vestem-se morros e pradarias e o sertão se enche de alegria.
Da mesma maneira que a mulher, transparente, quando quer, vê nossa alma escancarando a sua, como se ficasse nua e nos cobrisse de pudor. Deus, Nosso Senhor, perdoe-me a comparação, pois, água e mulher são obras da Criação, compará-las não é desmerecer, desacatar também não, é apenas fazer poesia em forma de oração. Pois, se ambas, femininas que são também sabem ser soturnas, turvas e cometerem perfídias. Sei de caso de quem se afogou em redemoinho de mês de março em banho no Rio do Peixe, tal qual, quem se enrolou, cometeu crime passional, morreu de cirrose, por uma paixão perdida, por quem virou mulher da vida e não quis lhe dar o coração.
Na água que nos banhamos ou quando nos abraçamos, no útero bem protegido pelo líquido ungido, se a lágrima é de gargalhada ou dor não importa, há sempre uma gota, um grito, um riso, um pouco de mulher, de água, de líquido e feminilidade.
Quando vem em turbilhão, decidida e resolvida, uma mulher, destas bem “fêmeas”, destinada a viver a vida, arrebentando as represas, cometendo surpresas e desacatando a vilania é tão bonito de se ver. Até parece ser uma caudalosa correnteza, que leva pequenos mundos, ninhos, galhos, bichos e matos no rumo do mar aberto. Chegará, uma ou outra, em algum lugar, na certa onde exista quem a perceba, quem respeite sua grandiosidade e dê-lhe o devido espaço. Então é quando vem a calmaria, água turva em tempo de decantação torna-se límpida e nos impele a meditação, assim, como o colo que nos sacia ou o copo que nos resfria.
Energia que move o mundo, turbinas que geram a força do planeta, a mulher reproduz-se e aos outros, dá-se como alento, faz-se casa e alimento, arranca de suas entranhas o líquido primeiro da vida.
Neste universo Bem Arquitetado, de energias que se doam e se repelem, deve existir uma lógica qualquer, para que a água tal qual a mulher, temam a lua no firmamento, pois, cada qual tem seu problema, de maré alta, tempestade raio e trovão, menstruam-se oceanos tensos. Talvez seja a lua mãe de todas as formas femininas deste planeta que também é mãe.
Assim como Gaia, que cobra tudo que é seu, como Hera e sua sede de vingança, a água represada irá lutar pelo espaço que lhe cabe, enchendo o lago, expulsando outra forma de vida, procriando seu submerso mundo, vingando-se contra a invasão de seu caminhar e a abrupta interrupção de curso.
Afinal de contas, ambas, estão dentro de nós, homens, mais do que imaginamos. Toda nossa aparência física, modos e comportamentos abriga uma matriz feminina orientada por nossas mães que definiram os papéis de seus filhos com cores e comportamentos, assim como a água que nos preenche a carcaça.
De resto nos cabe-nos a imagem que somos apenas uma sombra vertiginosa vendo passar correntezas e mulheres – transparentes, turvas, calmas, voluptuosas, doces, amargas, vorazes e recatadas – mulheres e correntezas.
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