Ninguém pronuncia a palavra “sertão” impunemente. Não depois de Graciliano Ramos. De Guimarães Rosa. De Euclydes da Cunha. De Ariano Suassuna. Ninguém pronuncia, nem muito menos coloca esta palavra no título de um livro. Mas Linaldo Guedes, em Metáforas para um duelo no sertão (Patuá, 136 pgs, R$ 25) provoca um deslocamento. Seu livro de poemas faz com que o sertão seja mais uma instância da memória do que da paisagem.
Mais do que os irremediáveis cactos, da vegetação bem sugestiva de imagens, o sertão de Linaldo é urbano, onde “os meninos (...) já nascem sorrindo para a rua/ às vezes nus/outras, não/ fazem dos paralelepípedos/ residências oficiais de verão”. Mais do que um território varado por sol e terra calcinada, a paisagem que surge é a do afeto. É num dos mais belos poemas do livro, o soneto “Mater”, que Linaldo pega emprestado os olhos da sua mãe para olhar para si próprio: “Quando olho nos olhos de minha mãe/ vejo as peraltices da infância tardia/ com um arrazoado de conselhos alheios/ e uma cumplicidade do futuro que dormia”
Não é a primeira vez que Linaldo promove esses deslocamentos. Em Os zumbis também escutam blues e outros poemas, seu livro de estreia, a poética surrealista, beatnik, cantou as paisagens de sua João Pessoa. O que era para ser “sobre” a realidade, fincou o seu olhar no chão, no aqui e no agora. No segundo livro, Intervalo lírico, Linaldo Guedes consegue, sem abrir mão de sua voz de homem, de amante, escrever no ambiente feminino; seus poemas se situaram na miudeza da casa, nos detalhes tão próprios dos poemas feitos por mulheres.
Atestando a diversidade de signos que povoam o sertão, Linaldo afirma em “guitarras na caatinga” que a sua trilha sonora não é o rangido das rabecas, nem das violas; sua história o colocou em contato com outro som: “também se toca blues/ também se escuta rock/ também há melodias/ estrangeiras/ se apossando da nossa dor”.
Na linha mais próxima a de Drummond, sobretudo, o Drummund cantor de sua província, de sua Itabira, Linaldo elege a sua Cajazeiras, situada no Alto Sertão da Paraíba, como matéria prima de seu canto, mas o que nos chega em seus poemas é uma cidade com ares urbanos, daí o complexo do retrato que o poeta nos traz. Cidade não é só o que se vê, mas a história particular; as lembranças e, sobretudo, os amores. Daí que Metáforas para um duelo no sertão ser um livro tão sensitivo, tão erótico, como no forte e belo “cunilíngua”: “coito/ minete/ (ou seria um minueto)?/ suíte fragmentando/ tuas aristocracias/ em compassos ternários/ : quando abre flores e rosas para minha língua”.
Com seu mais novo livro, Linaldo Guedes amplia um território mágico da nossa cultura, o sertão, revisitando-o e isso com um olhar mais atento ao que está dentro do seu próprio quarto e não além das montanhas, cumprindo aquela lição do mestre Rainer Maria Rilke.
Crítica de Astier Basílio publicada no Correio da Paraíba
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