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Mais do que os irremediáveis cactos, da vegetação bem sugestiva de imagens, o sertão de Linaldo é urbano, onde “os meninos (...) já nascem sorrindo para a rua/ às vezes nus/outras, não/ fazem dos paralelepípedos/ residências oficiais de verão”. Mais do que um território varado por sol e terra calcinada, a paisagem que surge é a do afeto. É num dos mais belos poemas do livro, o soneto “Mater”, que Linaldo pega emprestado os olhos da sua mãe para olhar para si próprio: “Quando olho nos olhos de minha mãe/ vejo as peraltices da infância tardia/ com um arrazoado de conselhos alheios/ e uma cumplicidade do futuro que dormia”
Não é a primeira vez que Linaldo promove esses deslocamentos. Em Os zumbis também escutam blues e outros poemas, seu livro de estreia, a poética surrealista, beatnik, cantou as paisagens de sua João Pessoa. O que era para ser “sobre” a realidade, fincou o seu olhar no chão, no aqui e no agora. No segundo livro, Intervalo lírico, Linaldo Guedes consegue, sem abrir mão de sua voz de homem, de amante, escrever no ambiente feminino; seus poemas se situaram na miudeza da casa, nos detalhes tão próprios dos poemas feitos por mulheres.
Atestando a diversidade de signos que povoam o sertão, Linaldo afirma em “guitarras na caatinga” que a sua trilha sonora não é o rangido das rabecas, nem das violas; sua história o colocou em contato com outro som: “também se toca blues/ também se escuta rock/ também há melodias/ estrangeiras/ se apossando da nossa dor”.
Na linha mais próxima a de Drummond, sobretudo, o Drummund cantor de sua província, de sua Itabira, Linaldo elege a sua Cajazeiras, situada no Alto Sertão da Paraíba, como matéria prima de seu canto, mas o que nos chega em seus poemas é uma cidade com ares urbanos, daí o complexo do retrato que o poeta nos traz. Cidade não é só o que se vê, mas a história particular; as lembranças e, sobretudo, os amores. Daí que Metáforas para um duelo no sertão ser um livro tão sensitivo, tão erótico, como no forte e belo “cunilíngua”: “coito/ minete/ (ou seria um minueto)?/ suíte fragmentando/ tuas aristocracias/ em compassos ternários/ : quando abre flores e rosas para minha língua”.
Com seu mais novo livro, Linaldo Guedes amplia um território mágico da nossa cultura, o sertão, revisitando-o e isso com um olhar mais atento ao que está dentro do seu próprio quarto e não além das montanhas, cumprindo aquela lição do mestre Rainer Maria Rilke.
Crítica de Astier Basílio publicada no Correio da Paraíba
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